terça-feira, maio 04, 2004

Ensaio sobre o agora #2

A mortalidade pode ser considerada como uma bênção (e é bom que assim seja).
Se num hipotético planeta os seres dominantes (ou possuidores de um grau de inteligência destacadamente elevado) tivessem uma esperança de vida duas vezes a média actual humana, a tal estariam habituados e tal considerariam de “normal”. Por isso digo que não é a relativa (longa ou curta) duração da própria vida que está em causa, mas a sua fragilidade e (aparentemente conhecida) unicidade.

Provavelmente caminhamos para a origem e (a vida) talvez seja um ciclo que se perpetua indefinidamente, mas isso é outro assunto.
Confesso que já me preocupei (e temi) bastante com o futuro, com o que podia ou não acontecer e que acções poderiam ou não influenciar o “destino”.
Encontro conforto ao pensar que tudo acontece porque assim tinha que ser.
Tive um acidente de carro! Se tivesse ido por outra estrada isto não acontecia…

Várias opções poderão ser apresentadas, mas apenas uma é escolhida. Porquê? Por cada um de nós é isso mesmo: um… A opção essa… é escolhida porque simplesmente assim tinha que ser. Considero que rocei o limite entre a sanidade e a loucura na procura de uma solução (ou resposta). O que encontrei? Uma espiral infinita, um buraco negro, um fractal.

Sendo assim o futuro existe, ainda que seja num campo abstracto ou numa virtualidade repleta de probabilidades.
A amplitude da sensação do futuro mais próximo poderá ser comparada à sensação do nano-segundo que antecede uma ideia, do ínfimo instante que antecede o acontecimento de algo.
Para (do mesmo) sentir a amplitude do passado mais próximo basta multiplicar a sensação anterior por -1.
Não sou apologista de esquecer o passado, mas sim de o ultrapassar, de aprender com ele, de criar algo novo a partir de negatividades, positividades ou neutralidades.
Do mesmo modo que não quero arriscar e afirmar que “tudo acontece por uma razão” não afirmo o contrário, apesar do quanto romântico, harmonioso e perfeito (e cineasta) soa a primeira.

Do futuro nada é possível obter.
Do passado (poderemos dizer que) obtemos teoria e experiência.
Do presente obtemos inovação.
O presente é isso mesmo: uma dádiva, uma oferta, um presente, o que algum dia realmente possuiremos.
O melhor presente é a tranquilidade interior, a paz de espírito. E como tal se alcança? Faz-se o correcto, o que se sente que é o indicado, uma combinação de reflexo com altruísmo, uma mistura de instinto com misticismo. A aplicação e pseudo-necessidade de leis prova a existência da “obesidade intelectual” (Oitke in Mental
Obesity), pois “todos os seres do universo são capazes de distinguir o bem do mal” (K-Pax).

Não me considero religioso nem católico ou judeu, muito menos fanático, uma vez que considero qualquer tipo de extremismo (ou absolutismo) impraticável, incoerente, inconcebível e incompatível com a natureza humana. Não garanto que exista Alguém ou Algo a “olhar” por todos nós (ainda que por vezes acho esse conceito completamente irreal e por outras não encontre melhor candidato). No entanto, o melhor “guia de vida” com que me deparei na minha (relativamente curta) vida é esse mesmo: A Bíblia. Tirando o floreado, um ou outro fanatismo e o “erro humano” da instituicionalidade religiosa, estão lá todos (ou quase) os ingredientes para o Nirvana terreno (se é que existe outro).

Para quem deseja a imortalidade: dá (até) a vida pelo próximo e nunca morrerás.

Imagens por Rolf Horn